Tendências unilaterais na esquerda e na direita
São tendências populares em cada posição política - não que sejam as únicas, mas, ao que vejo nos debates, são as que dominam.
A tendência filosófica unilateral da esquerda: sociologismo. Ou seja, quer explicar o mundo humano como um mundo construído por interações sociais. Por que é unilateral? Porque, ao se legar ao plano da relação social o lugar originário de todos os fenômenos, atribuindo a essa relação um 'aprendizado', passa-se por cima de uma reflexão mais detida sobre a concepção de sujeito que é o pressuposto de toda experiência.
Muitos pensadores 'desse lado' defendem que a falta de consciência de um conjunto de ideias é condição propícia para a exploração por parte dos poderes elitistas e opressores. Mas, ao mesmo tempo, há sempre um conjunto de ideias não questionado sobre o sujeito humano, ou não examinado em seus fundamentos radicais, tornando-os escravos desse mesmo conjunto de ideias (não conseguem pensar o mundo de outra forma). Toda ideia é movida por um interesse; todo interesse possui um 'sentir' ou humor correspondente. Aqui, o verdadeiro dominador, tirano, é o ódio e o ressentimento.
O exemplo mais notório é Marx: sua vontade, desde o início, é de inversão: quer inverter a ordem. Tem um profundo ressentimento contra o Espírito Absoluto de Hegel, quer contra-atacar com seu sujeito material. E, nesse trâmite, a concepção de sujeito não é radicalmente pensada, mas ainda pertence muito profundamente à tradição filosófica. No fundo, trata-se de ressentimento contra a essência grega, que é um núcleo duro. Quer dessencializar para ser o novo dominador.
A tendência filosófica unilateral da direita: substancialismo. Ou seja, quer explicar o mundo por meio de uma metafísica que não se questiona mais quanto aos seus fundamentos. Aqui, algo de semelhante acontece com a esquerda, pois, se a concepção de sujeito vem à tona mais facilmente, ela permanece tomada como um dogma. O humor subjacente a esse dogma é o medo. Medo de que um questionamento radical da metafísica grega conduza a uma concepção arbitrária ou líquida (sem solidez) de sujeito.
No exemplo da discussão em torno da 'teoria de gênero', é comum que os conservadores usem uma visão biologista como escudo. "Ora, se o sexo não estiver essencialmente atrelado ao âmbito biológico, não cairemos no subjetivismo distorcido dos esquerdistas?". Não, não cairemos. Em primeiro lugar, uma perspectiva não-biologista não significa necessariamente ignorar o âmbito biológico. Aqui, o conservador tende a reduzir a sexualidade à qualidades coisificantes, e o progressista tende a reduzi-la em qualidades subjetivistas (e fluídas, líquidas).
Por esse apego ao substancialismo moderno, o direitista tem a tendência de também se apegar às ciências naturais (ou, exatas). Veja, não estou dizendo que as ciências físico-matemáticas sejam "más", mas estou criticando a atitude de tomá-las como a voz derradeira e inquestionável da verdade. O direitista parece ter medo de se apropriar de uma reflexão profunda nesse sentido.
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Mas são apenas generalizações deliberadas, que não fazem justiça à totalidade dos dois lados. De qualquer modo, são tendências altamente vigentes, que, segundo penso, devem ser combatidas.